domingo, 11 de junho de 2017

Taekwondo "a luta de um chute só"

No final do ano de ano de 1973 conheci o taekwondo, mas só no dia 11 de outubro de 1974 fiz minha primeira aula. Seguiram-se anos de treinamentos intensivos, praticamente sem descanso nem aos domingos ou feriados. Lembro-me inclusive que fomos convocados pelo nosso professor, o jovem coreano L. Han Kim, introdutor da modalidade em Londrina, para treinarmos nos horários em que aconteciam os jogos da copa de do mundo de 1974. Dizia ele: “É uma forma de lapidarmos o espírito, vencendo os nossos desejos”. Foi com ele que aprendi que o nome Tae-kwon-do, isso mesmo, separado por hífens, significa “O caminho filosófico de usar os pés e das mãos na luta”, onde tae significa pés, pular, chutar, pisar etc; kwon, mão, socar, bloquear, segurar etc; e do, a essência da sua prática, o caminho filosófico. Uma aula tinha a duração de duas horas, das quais mais da metade era reservada à prática dos hyong (hoje poomse). Os movimentos de ataque e defesa tinham que ser executados com firmeza, velocidade e precisão absoluta. Treinávamos muitos saltos e os empregávamos nas lutas. Naquela época o taekwondo era chamado de “luta dos homens voadores”. Era um tae-kwon-do marcial, cujo treinamento tinha por objetivo preparar o praticante para se sobrepor ao adversário no menor tempo possível, utilizando os mais duros golpes possíveis. As competições existiam e eram duras, francas, frente a frente, sem o uso dos equipamentos de proteção que hoje são indispensáveis, aliás, obrigatórios... ainda bem! Muitas lutas terminavam antes do primeiro minuto e por nocautes que muitas vezes provocavam lesões graves. Os golpes eram desferidos com as mãos e os pés quase na mesma proporção. Era a época do gaúcho Edson Batista, considerado a melhor técnica do taekwondo nacional naquele período. No Rio, Rodney era o grande destaque e no Paraná, na minha categoria eu era invicto. Com o advento das olimpíadas e a exigência dos novos equipamentos protetivos, treinar ficou mais fácil, menos traumático. Competir idem... que bom! Definitivamente o taekwondo se tornou um esporte e me alegro com a grande expansão que teve nos últimos anos. Lamento, porém, que isso tenha proporcionado a sua gradativa mutilação, primeiro ao eliminar o “do”, a filosofia, o caminho. Essa mutilação se deu por conta do desinteresse pelo poomses, cuja concepção reúne elementos do taoísmo, filosofia fortemente presente na cultura coreana. Aliás, poucos sabem hoje que as palavras Tae Guk, como são denominados cada uma das sequencias, significam princípio e eternidade e têm o mesmo sentido que o Yin e Yang chinês, e que seus diagramas simbolizam os elementos da natureza, água, ar, terra e fogo, representados pelas barras pretas (trigramas) que ladeiam o círculo azul e vermelho (Tae Guk) que figura no centro da bandeira da Coréia. A ênfase da prática voltou-se estritamente para a competitividade por isso treinadores ávidos por fazer campeões vão direto ao que lhes interessa, ou seja, a luta em si. Restou então o taekwon, chutes e socos assim como em muitas outras lutas. Com a evolução das técnicas de competição o uso dos punhos também foi praticamente suprimido das lutas, até mesmo para a defesa, restando assim apenas o tae, ou seja, isto é “a luta com os pés”. É óbvio que para se ter melhor aproveitamento o atleta deve empregar o golpe mais eficaz e que o exponha menos no momento da aplicação e esse é o bandal tchagui (ou ap dolio), eficientíssimo para pontuar, mas limitadíssimo do ponto de vista da marcialidade do taekwondo original que possibilitava uma infinidade de combinações de golpes. É, sem dúvida, o chute que mais decide competições, porém sob o preço de ter alijado a modalidade da beleza plástica dos chutes voadores, os giratórios e outros, por vezes aplicados praticamente de improviso, mas que surpreendiam e embelezavam as disputas (aproveitamos para render um tributo ao grande Cesar Galvão). Quero deixar claro que não sou um saudosista, retrógrado, pois além de manter o ensinamento tradicional também me adequei aos novos tempos e louvo a prática esportiva, embora pense que teria sido possível o mesmo nível de desenvolvimento sem essa mutilação da concepção original do taekwondo. Lembrei-me, finalmente, que durante as olimpíadas de Pequim a TV exibia uma das lutas pela medalha de ouro e um telespectador anônimo, frustrado diante do que via, bradou: “Que m. de luta é essa. Só tem um tipo de chute!”. Fiquei imaginando um mestre atual respondendo ao neófito que quer saber o significado da palavra taekwondo. Diria ele: É... “a luta de um chute só”. Como se diria isso em idioma coreano? Certamente não é Taekwondo. Jair Queiroz - Mestre 5º Dan - K’roz Taekwondo, Londrina- PR

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